3 de dez. de 2024

Rony Meisler
Redes sociais amplificam bolhas de opinião e mostram como buscamos validação em nossos grupos
Um fato curioso aconteceu na última eleição norte-americana. Um usuário identificado como Theo apostou US$ 30 milhões na vitória de Donald Trump, na plataforma digital PolyMarket. Ele previu que Trump venceria tanto nos colégios eleitorais, quanto na contagem geral de votos e, com o acerto, ganhou cerca de US$ 48 milhões.
O valor elevado e a confiança do apostador chamaram a atenção da imprensa americana, que descobriu sua identidade e o entrevistou anonimamente.
Theo é francês, atua no mercado financeiro e, ao ser questionado sobre o motivo da aposta, explicou que ela não foi motivada por ideologia política, mas por uma metodologia estatística. Ele afirmou que apenas queria “ganhar dinheiro” e, por não confiar no método dos institutos de pesquisa tradicionais, decidiu contratar suas próprias pesquisas usando a metodologia chamada de “efeito-vizinho”. Antes disso, ele enviou dezenas de e-mails à imprensa americana, sugerindo que utilizassem o mesmo método e foi ignorado.
A metodologia consiste em perguntar três coisas às pessoas:
Em quem acham que seus vizinhos votariam.
Quem esperam que ganhe a eleição.
Em quem amigos, familiares e colegas de trabalho votariam.
Nas pesquisas contratadas por Theo, Donald Trump venceria com ampla vantagem e foi por isso que ele fez a aposta. Para os que assistiam perguntas à sexóloga Laura Muller, no Altas Horas, a esta altura da leitura, já perceberam que Theo é um gênio!
Segundo o ChatGPT, a metodologia “efeito-vizinho” estatisticamente supera as metodologias tradicionais, por reduzir o viés de desejabilidade social (as pessoas se sentem mais à vontade para falar sobre os outros), revelar preferências ocultas e levar em conta o contexto social.
Vivemos tempos em que a polarização domina não só a política, mas também hábitos de consumo, preferências culturais e posturas sociais. Redes sociais amplificam bolhas de opinião e mostram como buscamos validação em nossos grupos. Essa dinâmica torna complexa a previsão de comportamentos coletivos, já que as médias gerais estatisticamente tenderão a ocultar a realidade dos fatos.
Theo apostou no óbvio: o comportamento humano é profundamente moldado pela “rede de contatos” - ou “vizinhos” -, tanto no que fazemos como, principalmente, no que dizemos que fazemos. Suas lições são valiosas também para marcas e negócios.
Empresas poderiam pesquisar não só sobre as preferências de seus consumidores, mas também sobre o que eles acreditam que pessoas próximas gostam ou consomem. Com as tecnologias atuais, é possível identificar grupos de influência dos clientes e criar campanhas personalizadas para esses nichos. Entender “quem influencia quem” permite atingir grupos inteiros de maneira muito mais eficiente. Além disso, em crises de imagem ou boicotes, usar o “efeito-vizinho” ajuda a mapear redes de influência e a agir mais rapidamente na contenção dos danos.
Cito aqui o caso (ainda pouco compreendido) da marca automobilística Jaguar, que está fazendo uma polêmica - e muito criticada - contagem regressiva para o que parece ser um “extreme makeover” de marca. Se dará certo ou não, eu não sei dizer. O que é fato é que a Jaguar perdeu 68% de market share de 2018 a 2024 e seu público consumidor, reconhecidamente mais tradicionalista, tem crescentemente rejeitado a marca.
O que já se sabe é que a marca fará a transição para carros exclusivamente elétricos, demanda crescente de um público consumidor mais progressista. Dada a compreensão de que, em um mundo polarizado, é mais valioso conquistar profundamente um grupo do que tentar agradar a todos, talvez a Jaguar esteja apostando que será mais fácil conquistar o “vizinho” do seu cliente.
Resumo da ópera: ao invés de viver para reclamar e temer a polarização político-social, Theo deu uma aula sobre como as marcas e negócios podem e devem utilizá-la como uma vantagem estratégica.
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